Debaixo de um viaduto, no meio de entulhos de construção e sacos de lixo, dividindo com ratos e baratas o tosco casebre feito com caixas velhas de papelão e restos de madeira, abandonado à própria sorte, encontrava-se um homem tremendo de frio e de fome. Estava miseravelmente imundo e doente. Quem o examinasse veria em uma de suas pernas um inchaço que o impedia de levantar, oriundo de algum ferimento mal curado, má circulação ou doença renal crônica, cujo estado inflamatório fora agravado talvez pelas péssimas condições de higiene em que ele se encontrava. Enrolado em jornais, jogado sobre um colchão velho manchado de urina e fezes, febril, delirava, sufocado pelo odor nauseabundo que exalava dele mesmo. Quem passasse por ali, caso tivesse o interesse ou a curiosidade de saber as condições daquele pobre homem, é possível que escutasse suas preces fervorosas, mescladas de arrependimento, vergonha, perdão e palavras desconexas sobre uma imensa riqueza que tivera um dia, há muito tempo, quando era jovem e que perdera tudo quando se entregou ao mundo abominável de prazeres carnais e vícios descomunais.