Há males que vêm para o bem. Todos nós já ouvimos essa sentença ser dita desde tempos imemoriais. E há muita verdade nisto, com toda a certeza. Que o diga dona Orlanda, cujo marido fora morto por engano numa emboscada que não era para ele. No dia de seu assassínio, estava na companhia do verdadeiro homem que deveria receber a sentença de morte.
O marido de dona Orlanda era um bom homem, de poucos cobres, ingênuo e seguia atrás de qualquer um que lhe pagasse uma bebida. E foi isso que o levou à desgraça, deixando viúva a bela e jovem esposa, à mercê de pretendentes inescrupulosos, como o coronel Affonso, que era o próprio mandante do crime, que se dizendo comovido com a viuvez de dona Orlanda e ao mesmo tempo sentindo-se também responsável pelo erro do pistoleiro, acolheu-a em sua fazenda, sob o pretexto de que era amigo do falecido e infeliz marido da bela, chorosa e desamparada viúva. O coronel atrevido, obsedado pela voluptuosa beleza de dona Orlanda, fê-la sua esposa poucos meses depois da morte do desgraçado.
Dona Orlanda, de uma vida simples, repleta de escassez e privações, tornou-se então a esposa do coronel Affonso, homem de muitas posses, latifundiário, pecuarista e dono de inúmeras propriedades. Enfim, um homem riquíssimo. O ditado acima nunca foi tão apropriado, tanto para dona Orlanda, quanto para o coronel Affonso, diga-se de passagem.
Mas não foi tão para o bem, como poderemos ver a seguir.
O coronel vendo na esposa o tino comercial, entregou-lhe a administração das fazendas e de todos os seus bens, se desvencilhando de inúmeras aporrinhações bancárias e contábeis. Dona Orlanda, superando as expectativas do coronel, saiu-se irrepreensível administradora, sanando todas as dívidas do coronel e revertendo muito lucro para os seus empreendimentos.
O coronel Affonso, porém, começou a definhar. Sua saúde não era mais como antes e em pouco tempo perdeu o movimento das pernas e prostrou-se definitivamente, enquanto dona Orlanda comandava a casa e tudo o mais. Ela o esqueceu em um quarto mal iluminado e insalubre, sem cuidados médicos. O coronel Affonso já via em seus delírios as asas do anjo da morte em seu umbral.
Um certo dia, vendo a proximidade do colapso iminente do coronel, dona Orlanda chegou bem perto do moribundo e confidenciou-lhe que sabia desde o início que tinha sido ele, o mandante do pistoleiro que tirou por engano a vida de seu amado marido. O coronel nos seus derradeiros suspiros ouviu também ela dizer que já o vinha envenenando desde o dia em que se casaram, mas o pássaro da morte já lhe enfiava as garras da fatalidade e já era tarde demais para pronunciar o que quer que fosse.
Miniconto nitroglicerinado, provocado pelo acaso, costurado pelo destino, consumado pela vingança, engendrado pelo Newton Silva, Os encantos de Dona Orlanda foi vencedor do Prêmio de Literatura Unifor, edição 2013. Precisa se unir a mais uns tantos num livro de contos deste camarada que, além de um genial chargista, como mesmo afirma é poeta, bissexto e cronista. A literatura anda carecendo de seu talento. Ponto.
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